domingo, 16 de janeiro de 2011

O que realmente pode ser feito?

Pedestre caminha sobre a lama endurecida. Fonte: Yahoo Notícias

















Muito tem se falado da negligência do poder público em relação a tragédias como as que aconteceram nos últimos dias. Mas, exatamente o que se poderia ter feito para minimizar os dados  causados pelas chuvas?
Naturalmente não pretendo apresentar aqui todas as soluções. Mas como urbanista e cidadão friburguense, gostaria de apontar algumas medidas úteis:

Fiscalização
Fala-se muito em planejamento. Mas cidades como Nova Friburgo já contam com um Plano Diretor e leis de uso e ocupação do solo.  Podem estar desatualizados, mas se, mesmo do jeito que estão, fossem cumpridos, vidas seriam poupadas.
Bairro de Olaria. No alto, no morro,
a igreja de São Roque.
Tenho observado construções em margens de rios, em áreas de proteção ambiental ou fora de especificações, sem que se haja nenhuma ação inibidora. Um exemplo é a Igreja de São Roque, no bairro de Olaria, cuja construção recente foi feita muito acima do gabarito permitido para a região. Cito este caso porque parte de uma instituição que deveria dar o exemplo.
Certamente a justificativa da Prefeitura é a falta de fiscais. Sempre é essa a justificativa. Mas será que uma fiscalização dura e intransigente, mesmo com o número atual de fiscais, não inibiria as construções irregulares? Talvez seja o caso de se dizer que falta planejamento para uma fiscalização eficaz.

Educação ambiental
Populações em áreas de risco (ou não) precisaria saber, por exemplo: dos riscos, de uma infiltração no solo, do acumulo de lixo, do desmatamento em cume de morro, de um corte em talude, de uma construção em talvegue (caminho de águas), etc. Também ter conhecimento de espécies que podem ou não ser plantadas (ao contrário do pensamento popular, nem toda vegetação ajuda a conter encosta – algumas têm, inclusive, efeito contrário). Entre outras coisas.
Em minha experiência no NEPHU – Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos, da UFF – trabalhamos junto associações de moradores de favelas de Niterói para a criação de um material educativo sobre estas questões. Como era um trabalho feito em parceria, o material ficou acessível e fácil de entender. Os próprios moradores ajudavam na fiscalização da comunidade.

Assistência profissional
Se alguém precisa de médico e não tem dinheiro para pagar, recorre ao SUS. Se precisa de um advogado, recorre à Defensoria Pública. Mas se precisa de um profissional de construção civil, não existe um órgão para assistí-lo. Pelo contrário: as prefeituras exigem projetos assinados por engenheiros ou arquitetos para legalização de uma construção, mas não provê os meios para aqueles que não têm condições de contratar um profissional da área.
Um órgão público de planejamento habitacional diminuiria o número de construções inadequadas, garantiria mais orientação à população sobre cuidados nas construções, facilitaria o trabalho das prefeituras, pois diminuiria o numero de construções ilegais. Além disso, daria emprego e estágio para profissionais e estudantes de do setor.
Parcerias com as universidades
Soluções para os grantes problemas urbanísticos de nossas cidades poderiam ser obtidas com parcerias com as instituições de nível superior nas áreas de urbanismo, arquitetura, engenharia, ciências socias, geologia, geografia, entre outras. O NEPHU (mencionado acima) é um bom exemplo de um núcleo formado por professores com doutorado e experiência em diferentes áreas, que desenvolvem estudos muito interessantes para quem busca soluções para os problemas nas nossas cidades.
A universidade é uma geradora de conhecimento e soluções. A pergunta é: porque cidades como o Rio de Janeiro não aproveitam melhor este recurso? É pura incompetência, falta de vontade, ou existem interesses pessoais, políticos ou partidários no caminho das soluções? Ou uma mistura de tudo isso?

Investimento urbanístico e habitacional
Investimentos em infraestrutura, remanejamentos de casas em locais de risco, construção de centros comunitários (que podem servir, inclusive, como áreas de refúgio em situações de calamidade), preservação e recuperação de áreas de mata e leitos de rios, entre outras medidas, não são chamadas  de “investimentos” por acaso.
É só pensar no que se perdeu nestes dias: casas, prédios, ruas, pontes, praças , hotéis, hospitais, pontos turísticos, empresas, mercadorias, bens e, o bem mais valioso e irrecuperável: vidas. Pensemos ainda no prejuízo psicológico da população e de todo o custo e energia gastos para a reconstrução da cidade e para a recuperação de seus habitantes. As perdas são incalculáveis.
Mas isso é “chovem no melhado”. As autoridades estão cansadas de saber isso. Volta a pergunta: por que o descaso?

Sistemas de monitoramento e alerta
Esta semana eu assisti, na TV, dois casos dignos de nota: o primeiro, o de um jovem brasileiro que vive na Austrália, que recebeu, em sua caixa de correio, um alerta de iminente inundação no dia seguinte, com orientações sobre o que fazer. Isso pode ainda parecer um sonho distante, mas mostra, por contraste, o quão pouco estamos preparados para lidarmos com os nossos próprios problemas.
O segundo caso se deu em Areal, pequena cidade da Região Serrana, que também foi inundada, mas não teve nenhuma vítima fatal. O motivo: horas antes da chuva, um carro de som, com uma gravação feita pela prefeitura, alertou a população para o transbordamento do rio e orientou sobre o que fazer.

Treinamento da população
E é exatamente este um dos maiores problemas durante uma catastrofe: milhares de pessoas – incluindo autoridades – sem saber o que fazer. Nos países que sofrem com terremotos, furacões e inundações, treinamentos sobre o que fazer se o pior acontecer faz parte da vida das pessoas: está nos currículos escolares, nas agendas das empresas, é ensidado em casa, de pai para filho,  promovido por meio de campanhas públicas. Existem leis que regulamentam e incentivam tais medidas. A Índia é um exemplo de país em desenvolvimento que adota ações preventivas de orientação populacional.
Em momentos de calamidade, as pessoas precisam, no mínimo, reconhecer um sinal de alerta, saber o que fazer, o que não fazer, para onde ir, a quem recorrer, bem como os oficiais e autoridades  precisam estar igualmente treinados, e também equipados, para controlar o pânico e orientar a população. 

Conclusão
A ONU declarou que para U$1 gasto com prevenção se economiza outros U$7 com resgates e reconstruições1. Com a magnitude das águas que atingiram a região serrana nestes dias, por mais preparadas que as cidades estivessem, o estrago seria certo. Mas falta de planejamento urbano, habitacional e educacional certamente fez a chuva matar muito mais.



Sugestões de links sobre o assunto:
Blog da urbanista Raquel Rolnik: http://raquelrolnik.wordpress.com/
Veja também esta entrevista com a urbanista: http://migre.me/3FXzs
Artigo "Não à naturalização do descaso", de Marina Silva

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